Cinzeiro.

Entre trezentos cigarros queimados, as cinzas me lembram a aspereza desse amor (ou a falta dele) que agora já não me queima mais - só restam as cicatrizes, lembranças dolorosas de um passado efêmero como o tragar e cru como essas palavras.

Flores Murchas.

Era vida, de uma certa forma.
Ou, ao menos, tinha vida.
Foi assim e permaneceu sobrevivendo até que não houvesse mais fôlego.
E agora, mesmo acabado, até o luto parece - de tão intenso - se comparar àquilo que um dia tivemos.
E nessa urgência de sentir que é a vida, me enterro em minha própria ânsia por sobrevivência.
No final, é tudo sobre sobreviver a lutos e vidas que já não existem mais.

Ciclo.


E quanto às pessoas que você deixou para trás esperando uma resposta?
Quanto aos jovens corações ingênuos a espera de fôlego que você simplesmente ignorou?
Quanto às palavras vazias jogadas ao vento?
Quanto aos amores mal resolvidos que você tenta esquecer?
Tá tudo aqui ainda.
É como um ciclo, a espera do momento de voltar. Como um fantasma querendo retornar pros mortos e descansar.
Você percebe? Somos todos escravos do Tempo.

Roda viva.

Quem eu sou?
Eu não sei.
Acho que ninguém sabe ao certo.
Eu sei onde estou – e é exatamente onde eu deveria por hora.
No final, a vida é uma coisa estranha.
Perder tempo tentando se encontrar pode te fazer perder tudo isso.
Tá tudo acontecendo num piscar.

Colorir.

E haverá um campo
Vasto, verde, vivo
Que eu correrei descalço entre girassois dourados curvados para o norte
E toda a dor terá ido embora

Haverá um tempo de redenção
Longe dessa tormenta
Desse lugar inóspito
Desse vazio cinzento
Dessa angústia letal

Um tempo de florescer e brilhar e viver
Longe da sua semente maligna
Bem longe dos seus frutos ludibriosos
Em que seu cheiro se esvanecerá junto à brisa veranil
Em que minhas memórias queimarão no segredo do pra sempre 
como velhas fotografias indesejadas jogadas no fundo de uma gaveta

E haverá então
Depois de ter se acostumado à escuridão
Um viver:
Um viver sem medo de abrir os olhos e se entregar às cores - tão vivas, tão intensas
Haverá um tempo de felicidade teatral
De frutos maduros e inocência infantil

E eu vou sorrir e olhar para os mares de morros tentando encontrar algum vestígio de toda sua pestilência
Mas flores terão dado lugar ao carreiro de ervas daninhas
Eu terei vencido o passado
E haverá um tempo em que você se resumirá somente a uma cicatriz que já não me doi.

Simplicidade.

Hoje cruzei com uma mulher de uns trinta anos na rua. Ela parecia apressada, preocupada com alguma coisa. Senti a necessidade de pará-la e falar como ela era bonita. "Desculpa, moça, mas você é linda!". Ela sorriu desconcertada, disse um obrigado que saiu entre uma risada sem jeito e entrou no ônibus. Acendi um cigarro e fui pra casa sem nunca mais vê-la.
Eu nunca saberia, mas ela acordou sem fé, disposta a se matar. Passou o domingo enrolada no cobertor em meio a cigarros inacabados e uma xícara de café gelado ao lado do cinzeiro. Olhou o teto por dois minutos e tentou se lembrar de todos os por favores e obrigados que deixou de dizer, de todos os livros que ela nunca comprou, de todas as jabuticabas que comeu do pé. Decidiu que se jogaria de um viaduto perto do seu trabalho, na República. Passou a madrugada acordada, sem mudar de posição, dividindo a atenção entre o teto e a janela respingada da chuva.
Se levantou as nove, bebeu o resto do café, vestiu a roupa e saiu sem se maquiar ou pentear o cabelo oleoso. Correu até a esquina tentando não deixar os papeis voarem do seu colo, encarou as pessoas nos ônibus - brancas, negras, altas, baixas, feias, sonolentas, simpáticas, tristes - e foi interrompida por uma voz branda que dizia doces mentiras: "Você é linda". As três palavras ecoaram nela pelo resto do dia.
Entre telefonemas e anotações, observava atônita da sua mesa o movimento do viaduto e sentia um conforto momentâneo entre as intermitentes três palavras. Saiu do trabalho as seis, entrou no banheiro da lanchonete ao lado pra passar um batom vermelho escuro e ajeitar os dedos apertados dentro do sapato. Suspirou.
Enrolou o casaco em uma mão, desceu os cinco andares de escada e passou pelo viaduto. Parou na metade, se aproximou da mureta e sorriu com os lábios borrados pra uma criança moradora de rua que não tinha os dentes da frente. "Você é linda". Voltou pra casa num ônibus lotado, pediu comida chinesa e parou de fumar.
Eu nunca saberia, mas quinze segundos da minha vida foram o suficiente para salvar outra.

Turbilhão.

Frios, os dias.
Chuvosos, os olhos.
Tempestivo, o coração.
Destruição.

Caloroso, o passado.
Sol, esvanecido.
Calmaria, fugitiva.
Nostalgia.
Desde que você se foi eu não sinto mais nada, é como se tivessem apagado a luz da minha alma e agora tudo que eu faço é vagar por aí como uma sombra sem sentido.

Vinil arranhado.

A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você
Pra que ele possa ser de alguém.
Somos se pudermos ser ainda
Fomos donos do que hoje não há mais.
Houve o que houve, o que escondem em vão,
Os pensamentos que preferem calar.
Se não, irá nos ferir um não
Mas quem não quer dizer tchau?
Onde aconteceu? Não sei.
Mas não
Não foi ontem que eu disse não.
E quem vai dizer tchau?


"Quem vai dizer tchau?"
Nando Reis

Destroços.

Você provavelmente não sabe, mas me visita todos os dias em pensamento - cada único dia desde você partiu. Sonhar em preto e branco virou rotina.
Só queria saber que ainda te tiro o sono, que nada foi em vão, que também te marquei da mesma forma que você me marcou. Você já parou pra pensar se eu ainda me importava? Se eu ainda lembro de você?
Eu lembro. Não dá pra esquecer.
Sabe do que eu lembro? Do seu peito quente encostado nas minhas costas quando a gente ia dormir nos dias chuvosos. Eu me lembro e choro.
Como tudo pôde acabar tão depressa? Como tudo pôde acabar por algo tão banal? Me diga que você ainda pensa em voltar, que nossas memórias ainda te assombram.
Eu te deixei ir sem dizer uma palavra, sem nem pedir para você ficar. E você foi: caminhou pausado, titubeou, olhou para trás, seguiu de novo - de cabeça erguida - e desapareceu lá longe, no horizonte.
Você foi tão longe e eu continuei aqui, parado exatamente no mesmo lugar. Eu continuei aqui, fixado em destroços.

18 minutos.

Era 3 da manhã na Rua Augusta.

- Cara, você tem um cigarro?
- Tenho um sobrando, sim. Pega aí.

Sentamos na beira da calçada com os cotovelos apoiados nos joelhos.

- Você sabia que cada cigarro que você fuma são 3 minutos de vida a menos?
- Sério?
- Sério.

Mais uma tragada. Nossas fumaças fundiam-se, sinuosas, no céu excepcionalmente estrelado daquela madrugada fria.

- Já fumei 6 cigarros hoje, 18 minutos a menos.
- Eu, 15.
- Cigarros ou minutos?
- Minutos.
- Ah. Meu, o que você faz em 18 minutos? Sei lá, dá pra viver o que com esse tempo?
- 18 minutos é o tempo de comer um misto quente e morrer vendo tevê.

(Risadas)

- E se em 18 minutos você pudesse mudar a vida de alguém?
- Se você pudesse morrer tomando chuva do alto do Copan...
- Se você pudesse se desprender dele.
- Seria tudo diferente.
- Tudo.

Eu já não ouvia os gritos vindos do Vitrine. A minha alma estava em outro plano; ascendi.

- Você ainda não esqueceu o Gustavo, né?
- Eu tentei.
- Mas ele não vai embora?
- Ele não vai embora.
- E se você tivesse 18 minutos com ele, quê que você faria, Kinho?
- Acho que eu só ficaria encarando os olhos castanhos dele. Morrer afogado nas lembranças surgindo daquela íris dolorosa.

(Silêncio)

- Cê tá chapado?
- Eu tô pensativo.
- Eu também ando assim.
- Henrique?
- Ele também não vai embora.
- E se você tivesse 18 minutos?
- Eu fumei menos.
- Não importa, finge.
- Eu fumaria junto com ele. E não pararia de fumar.

Choveu.

- Pra acabar logo com tudo isso?
- Pra saber o que ele faria com os 18 minutos dele.

Não dissemos palavra alguma, apenas uma troca de olhares. Nós dois nos entendemos porque nós dois sentíamos o mesmo. Éramos duas pequenas almas em ascensão.

- Vamo comprar mais cigarro, Ga?
- Claro.

As franjas ensopadas caíam em nossas testas.

Só por essa noite.

Sem levantar bandeiras, sem rótulos. Esqueça o mundo, vamos apenas existir hoje a noite, ser nós dois sem preocupações com o que vai ser amanhã. Me beije e me encare como se o brilho dos seus olhos fosse a última coisa que eu veria antes de morrer, como se os gritos da multidão fossem o anúncio da minha partida.
Eu não sei como eu vou me sentir amanhã. Não espere nada de mim porque tudo que eu tenho te dei hoje. Por favor, não diga palavras tão fortes, elas me assustam. Mas me abrace; não vá embora, eu preciso do seu calor agora.
Me deixe viver uma vida toda com você, me deixe ser a melhor pessoa que você conhece, a pessoa que você mais precisa, mas só por essa noite. Eu não posso te prometer que eu estarei aqui quando amanhecer, a minha alma é cheia dessa inconstância. Num segundo, posso estar. No outro, esvaneci.
Sem falsas promessas, sem futuros feitos de imaginação. Apenas eu e você, apenas essa noite. E eu vou te dar o meu melhor hoje, porque amanhã eu não sei qual parte de mim vou poder te oferecer.
Apenas essa noite, porque amanhã...eu não sei.

O menino que nunca rezou.

Eu acho que nunca rezei, pelo menos não depois de mais velho. Sei lá, nunca vi sentido. Na verdade eu nem sabia o por quê de estar pedindo algo pra quem eu não conheço e não tenho nada pra oferecer em troca. O mais próximo de uma oração que eu cheguei foi ter desejado tão fortemente que no Natal eu ganhasse de presente o brinquedo que eu mais queria - isso porque minha família nem o comemora.
Eu acabei não ganhando presente, como sempre. Eu nunca ganhei presente algum rezando, aliás; mas não por falta de fé. Fé pra mim é acreditar e eu sempre fui bom nisso. Acreditar que o suco do Mc Donalds vai estar mais consistente pra mim é ter fé, mas ele tá sempre aguado. Quem sabe eu seja um homem de pouca fé ou apenas outro cara com má sorte.
Eu acho que nunca rezei. Não sei nem como fazer isso, o mais sincero que eu posso chegar é deitar na cama antes de dormir e desejar com muita força que eu consiga algo, que eu tenha um bom dia, agradecer pela minha cama quentinha. Não é um costume, mas talvez isso torne meus pedidos ainda mais fortes.

Auf wiedersehen, mein Saukerl.

Naquela noite choveu como se fosse a lavagem de um passado, abrindo caminho para um novo presente. Novos nós.

Choveu como se os anjos chorassem, como se todo o pecado do mundo estivesse caindo sobre nós, como se nossos corações fossem a materialização de algum tipo de calvário. Como se nosso amor tivesse sido pregado, como se nós dois juntos fôssemos um redentor. Redentor de todos os corações sucumbidos do mundo. E talvez nós fôssemos.

Já estava feito: nada mais seria como aquele beijo - como quando se queima uma folha e ela jamais volta a ser como era. Aquele momento nunca mais voltaria, era ao que estávamos fadados.

Dali para o naufrágio era apenas uma questão de tempo.


Excerto do texto que dá nome à esse blog.

Eu não vou dizer que te amo.


Eu não vou dizer que te amo. Eu não vou dizer que estou me apaixonando por você.
Não há necessidade de bordões clichês, aqui não há espaço para promessas fabricadas.
Tudo o que você precisa saber agora é que cada vez mais eu estou me tornando seu e que cada vez mais você faz parte de quem eu sou - e eu temo que algum dia eu não saiba mais “ser” sem você.
E eu vou ficar aqui apenas lembrando do seu sorriso tímido e esperando suas ligações as 4 horas da manhã. Assim, sem bordões, sem promessas.
Just let it roll.

I burried you (grito de liberdade).

For good, I burried you.
Eu tô me sentindo como nunca me senti antes, eu tô me sentindo vivo.
Tô animado pra começar um livro, pra escrever uma música, pra rir com os amigos no barzinho. Eu, definitivamente, te enterrei.
Sete palmos. Dezenas de cavadas. Um último suspiro.
Eu quero dirigir ouvindo Cazuza de RayBan com o vento bagunçando meu cabelo - mesmo que curto. Eu quero fazer pipoca e ver filme trash, quero mascar chiclete e "cantar" os guris bonitos passeando na avenida, assim, só por diversão.
Lá no fundo você sequer se mexe. Está frio. Está acabado. Está morto.
Vou é comprar aquela camisa que eu nunca compraria, me fixar na Matemática - contrariando os pensamentos de mamãe -, vou brincar de sueca só pra ser aquele que fica mais bêbado.
E eu não duvido que tu esteja fazendo a mesma coisa. Mas amor, a Morte susurra pra você: ele está tão bem!


5 de janeiro de 2011.

We all dream about fairytales.

Por que às vezes eu tenho a sensação de que preciso de algo pra ser completo? Sei lá, é normal sentir invejinha daqueles casais fofos rindo e se abraçando na Avenida Paulista? Eu, que tenho uma vida toda pela frente, me pego sentindo falta de um amor. Acho que qualquer adolescente na minha idade teria desejos muito mais inclinados pra curtir sua juventude que encontrar alguém. Mas eu pareço ser totalmente diferente.
Eu sinto falta de um amor com quem eu pudesse fazer brigadeiro de microondas pra gente comer vendo filmes de pijama no chão da sala, um amor que nos dias não tão bons eu pudesse deitar com a cabeça no peito e ficar em silêncio, um amor que me fizesse não dormir a noite de tantos pensamentos, que fosse inocente e sincero, que fosse cúmplice e amigo, que me fizesse cometer loucurinhas, que me fizesse pegar um resfriado porque tomamos banho de chuva e até que me fizesse chorar pra ser consolado com beijos salgados.
E que esse amor soubesse que pode contar comigo pra tudo, é claro. Que me ligasse de madrugada pra desabafar, que eu pudesse fazer cafuné enquanto ele canta MPB e faz piadas sobre mim, e que ele soubesse que eu jamais o julgaria.
Um amor que faria tudo ocorrer naturalmente. Que eu não tivesse nenhuma vergonha, e nenhum medo, e fosse totalmente transparente.
Não sei, mas eu tenho a impressão de que seria muito mais fácil se eu tivesse esse amor ao meu lado. Mas né, qualquer experiência de gostar de alguém que eu tive até hoje não foi bem sucedida, então eu geralmente vou me conformando com a realidade de que o que eu preciso agora não é isso. Sei lá, ainda tenho muitos anos de estudo, e correria, e noites mal dormidas, e de implorar por um fim de semana onde não haja vida social, apenas sono.
Talvez eu esteja errado, por isso de vez em quando essa vontade de um amor apareça. Quem sabe se eu tivesse a pessoa certa todo esse caminho pela frente ficasse mais fácil. Hum, no fim eu não sei, então enquanto isso eu vou vivendo em função de mim mesmo - o que me cai maravilhosamente bem, obrigado.
Ai, me acho idiota as vezes me ocupando com esse tipo de pensamento. Agora são quase 6 horas da manhã e eu ainda tenho aula, mas não consigo dormir. Acho que vou comer mais umas esfirras e ficar mudando os canais na tevê.


13 de setembro de 2010.