Destroços.

Você provavelmente não sabe, mas me visita todos os dias em pensamento - cada único dia desde você partiu. Sonhar em preto e branco virou rotina.
Só queria saber que ainda te tiro o sono, que nada foi em vão, que também te marquei da mesma forma que você me marcou. Você já parou pra pensar se eu ainda me importava? Se eu ainda lembro de você?
Eu lembro. Não dá pra esquecer.
Sabe do que eu lembro? Do seu peito quente encostado nas minhas costas quando a gente ia dormir nos dias chuvosos. Eu me lembro e choro.
Como tudo pôde acabar tão depressa? Como tudo pôde acabar por algo tão banal? Me diga que você ainda pensa em voltar, que nossas memórias ainda te assombram.
Eu te deixei ir sem dizer uma palavra, sem nem pedir para você ficar. E você foi: caminhou pausado, titubeou, olhou para trás, seguiu de novo - de cabeça erguida - e desapareceu lá longe, no horizonte.
Você foi tão longe e eu continuei aqui, parado exatamente no mesmo lugar. Eu continuei aqui, fixado em destroços.

18 minutos.

Era 3 da manhã na Rua Augusta.

- Cara, você tem um cigarro?
- Tenho um sobrando, sim. Pega aí.

Sentamos na beira da calçada com os cotovelos apoiados nos joelhos.

- Você sabia que cada cigarro que você fuma são 3 minutos de vida a menos?
- Sério?
- Sério.

Mais uma tragada. Nossas fumaças fundiam-se, sinuosas, no céu excepcionalmente estrelado daquela madrugada fria.

- Já fumei 6 cigarros hoje, 18 minutos a menos.
- Eu, 15.
- Cigarros ou minutos?
- Minutos.
- Ah. Meu, o que você faz em 18 minutos? Sei lá, dá pra viver o que com esse tempo?
- 18 minutos é o tempo de comer um misto quente e morrer vendo tevê.

(Risadas)

- E se em 18 minutos você pudesse mudar a vida de alguém?
- Se você pudesse morrer tomando chuva do alto do Copan...
- Se você pudesse se desprender dele.
- Seria tudo diferente.
- Tudo.

Eu já não ouvia os gritos vindos do Vitrine. A minha alma estava em outro plano; ascendi.

- Você ainda não esqueceu o Gustavo, né?
- Eu tentei.
- Mas ele não vai embora?
- Ele não vai embora.
- E se você tivesse 18 minutos com ele, quê que você faria, Kinho?
- Acho que eu só ficaria encarando os olhos castanhos dele. Morrer afogado nas lembranças surgindo daquela íris dolorosa.

(Silêncio)

- Cê tá chapado?
- Eu tô pensativo.
- Eu também ando assim.
- Henrique?
- Ele também não vai embora.
- E se você tivesse 18 minutos?
- Eu fumei menos.
- Não importa, finge.
- Eu fumaria junto com ele. E não pararia de fumar.

Choveu.

- Pra acabar logo com tudo isso?
- Pra saber o que ele faria com os 18 minutos dele.

Não dissemos palavra alguma, apenas uma troca de olhares. Nós dois nos entendemos porque nós dois sentíamos o mesmo. Éramos duas pequenas almas em ascensão.

- Vamo comprar mais cigarro, Ga?
- Claro.

As franjas ensopadas caíam em nossas testas.

Só por essa noite.

Sem levantar bandeiras, sem rótulos. Esqueça o mundo, vamos apenas existir hoje a noite, ser nós dois sem preocupações com o que vai ser amanhã. Me beije e me encare como se o brilho dos seus olhos fosse a última coisa que eu veria antes de morrer, como se os gritos da multidão fossem o anúncio da minha partida.
Eu não sei como eu vou me sentir amanhã. Não espere nada de mim porque tudo que eu tenho te dei hoje. Por favor, não diga palavras tão fortes, elas me assustam. Mas me abrace; não vá embora, eu preciso do seu calor agora.
Me deixe viver uma vida toda com você, me deixe ser a melhor pessoa que você conhece, a pessoa que você mais precisa, mas só por essa noite. Eu não posso te prometer que eu estarei aqui quando amanhecer, a minha alma é cheia dessa inconstância. Num segundo, posso estar. No outro, esvaneci.
Sem falsas promessas, sem futuros feitos de imaginação. Apenas eu e você, apenas essa noite. E eu vou te dar o meu melhor hoje, porque amanhã eu não sei qual parte de mim vou poder te oferecer.
Apenas essa noite, porque amanhã...eu não sei.

O menino que nunca rezou.

Eu acho que nunca rezei, pelo menos não depois de mais velho. Sei lá, nunca vi sentido. Na verdade eu nem sabia o por quê de estar pedindo algo pra quem eu não conheço e não tenho nada pra oferecer em troca. O mais próximo de uma oração que eu cheguei foi ter desejado tão fortemente que no Natal eu ganhasse de presente o brinquedo que eu mais queria - isso porque minha família nem o comemora.
Eu acabei não ganhando presente, como sempre. Eu nunca ganhei presente algum rezando, aliás; mas não por falta de fé. Fé pra mim é acreditar e eu sempre fui bom nisso. Acreditar que o suco do Mc Donalds vai estar mais consistente pra mim é ter fé, mas ele tá sempre aguado. Quem sabe eu seja um homem de pouca fé ou apenas outro cara com má sorte.
Eu acho que nunca rezei. Não sei nem como fazer isso, o mais sincero que eu posso chegar é deitar na cama antes de dormir e desejar com muita força que eu consiga algo, que eu tenha um bom dia, agradecer pela minha cama quentinha. Não é um costume, mas talvez isso torne meus pedidos ainda mais fortes.