Simplicidade.

Hoje cruzei com uma mulher de uns trinta anos na rua. Ela parecia apressada, preocupada com alguma coisa. Senti a necessidade de pará-la e falar como ela era bonita. "Desculpa, moça, mas você é linda!". Ela sorriu desconcertada, disse um obrigado que saiu entre uma risada sem jeito e entrou no ônibus. Acendi um cigarro e fui pra casa sem nunca mais vê-la.
Eu nunca saberia, mas ela acordou sem fé, disposta a se matar. Passou o domingo enrolada no cobertor em meio a cigarros inacabados e uma xícara de café gelado ao lado do cinzeiro. Olhou o teto por dois minutos e tentou se lembrar de todos os por favores e obrigados que deixou de dizer, de todos os livros que ela nunca comprou, de todas as jabuticabas que comeu do pé. Decidiu que se jogaria de um viaduto perto do seu trabalho, na República. Passou a madrugada acordada, sem mudar de posição, dividindo a atenção entre o teto e a janela respingada da chuva.
Se levantou as nove, bebeu o resto do café, vestiu a roupa e saiu sem se maquiar ou pentear o cabelo oleoso. Correu até a esquina tentando não deixar os papeis voarem do seu colo, encarou as pessoas nos ônibus - brancas, negras, altas, baixas, feias, sonolentas, simpáticas, tristes - e foi interrompida por uma voz branda que dizia doces mentiras: "Você é linda". As três palavras ecoaram nela pelo resto do dia.
Entre telefonemas e anotações, observava atônita da sua mesa o movimento do viaduto e sentia um conforto momentâneo entre as intermitentes três palavras. Saiu do trabalho as seis, entrou no banheiro da lanchonete ao lado pra passar um batom vermelho escuro e ajeitar os dedos apertados dentro do sapato. Suspirou.
Enrolou o casaco em uma mão, desceu os cinco andares de escada e passou pelo viaduto. Parou na metade, se aproximou da mureta e sorriu com os lábios borrados pra uma criança moradora de rua que não tinha os dentes da frente. "Você é linda". Voltou pra casa num ônibus lotado, pediu comida chinesa e parou de fumar.
Eu nunca saberia, mas quinze segundos da minha vida foram o suficiente para salvar outra.

Turbilhão.

Frios, os dias.
Chuvosos, os olhos.
Tempestivo, o coração.
Destruição.

Caloroso, o passado.
Sol, esvanecido.
Calmaria, fugitiva.
Nostalgia.